O toque das mãos de Alice era áspero, marcado por décadas de trabalho duro e vida nas ruas, mas o aperto era firme e quente. Os olhos da velha cafetina, geralmente cintilantes de cinismo ou embaçados pela cachaça, estavam excepcionalmente límpidos e sérios. Naquela fresta sombria entre dois sobrados, o cheiro de maresia e lixo dava lugar, por um instante, ao perfume fantasma do pó-de-arroz barato e determinação.
"Eu, as mulheres do passado," Alice sussurrou, sua voz grave carregando o peso de todas as Bárbaras, Marias Navalhas e anônimas que sobreviveram nos becos, "e as mulheres do futuro, que você e suas amigas estão tentando construir... confiamos em você."
Ela não disse "boa sorte". Não disse "tenha cuidado". Disse algo muito mais poderoso: uma transmissão de legado, uma passagem do bastão entre gerações de mulheres que lutavam, cada uma à sua maneira, contra as garras do poder opressor.
Ana — Anita — sentiu aquelas palavras não como pressão, mas como uma armadura invisível que se assentava sobre seus ombros nus, sobre o cetim azul-pavão. O medo não sumiu, mas foi compactado, transformado em um núcleo duro e frio de propósito no centro de seu peito. Ela assentiu, uma única vez, sem quebrar o contato visual.
Alice soltou suas mãos e deu um leve empurrão para frente. "Agora vá! Colete toda a informação que precisamos. Cada nome, cada data, cada mancha na biografia dessa família de parasitas. E traga de volta. Não para nós. Para elas."
Ana virou-se. O sol da tarde batia forte na Praça da República, iluminando a fachada imponente e neoclássica do Arquivo Nacional. Diante daquela fortaleza de papel e burocracia, ela não era mais Ana, a estudante assustada. Ela era Anita, uma mulher com uma missão, portando o mandato silencioso de séculos de resistência feminina.
Ela ajustou o chapéu com véu, sentindo o tecido suave contra a testa. Deu um último toque na bolsinha de couro, sentindo o contorno da lâmina e das notas. Então, ergueu o queixo, afrouxou os ombros numa postura de impaciente profissionalismo, e começou a caminhar.
Seus saltos altos ecoaram nas pedras portuguesas, um som assertivo e solitário. Ela não olhou para trás. Sabia que Alice a observava até se misturar à multidão da feira de livros, desaparecendo como uma agulha num palheiro de cores e caos.
O caminho até a grande porta de entrada parecia interminável. Cada passo era um ato de fé. Na roupa que vestia, na história que inventaria, nas mulheres que a enviaram. Ela não estava sozinha. Carregava consigo o sussurro de Bárbara dos Prazeres, o corte afiado de Maria Navalha, a astúcia cansada de Alice Cavalo de Pau e a esperança ferrenha de Laura e de todas as que viriam depois.
Ao subir os degraus de mármore do Arquivo, Anita respirava fundo. O véu escurecia um pouco sua visão, mas nítida em sua mente estava a imagem de um nome: Sabará. E a certeza de que, dentro daquelas paredes, havia um fio podre no tapete da história, esperando para ser puxado.
O funcionário, um homem de meia-idade com um bigode amarelado pelo tabaco e um olhar de profundo tédio, puxou uma longa baforada e soltou a fumaça lentamente, estudando Anita por cima da fumaça. Seus olhos percorreram o vestido azul-pavão, o chapéu com véu, as luvas brancas. Ele não estava acostumado a ver aquela espécie de pessoa na sala de atendimento empoeirada do Arquivo. A arrogância dela era palpável, mas tinha uma qualidade diferente da dos burocratas ricos. Era a arrogância de quem servia a um poder maior e não tinha tempo a perder.
A menção ao "Desembargador Cantareira" fez com que ele erguesse ligeiramente uma sobrancelha. Era um nome que soava plausivelmente importante e distante o suficiente para não ser facilmente checado com um telefonema rápido.
"Desembargador Cantareira, hein?", ele repetiu, esmagando o cigarro em um cinzeiro transbordante com movimentos vagarosos. "Ninguém me avisou de nada. E eu sou o responsável pelos pedidos desta seção. Se não está no meu livro..." ele bateu com os nós dos dedos em um calhamaço de registros encadernados, "...não existe."
A ameaça do telefonema, no entanto, atingiu seu alvo. Um telefonema para um desembargador, mesmo que fosse para dizer que seu pedido não fora atendido, significava atenção indesejada. Significava que seu chefe poderia ser importunado. Significava problema. E na lógica burocrática, evitar problemas era a prioridade máxima.
Ele soltou um suspiro longo e resignado, o cheiro forte do cigarro sem filtro exalando de suas roupas. "Olha, moça... Anita, era? O sistema aqui é lento. Pode ser que o pedido tenha vindo por outro setor e não chegou até mim. Pode ser." Ele enfatizou as palavras, criando uma saída burocrática para si mesmo.
Ele se levantou, arrastando os pés, e pegou uma chave presa a um cordão no bolso do paletó puído. "A família Sabará, você disse? Cafeicultores. Tinham uma fazenda grande no Vale. Os registros de propriedade e inventários devem estar no depósito 3-B, no subsolo. Não estão catalogados direito, é uma bagunça. Você vai ter que fuçar."
Ele a levou até uma pesada porta de aço, abrindo-a com dificuldade. Um cheiro de mofo, papel velho e umidade subiu, quase físico. "Duas horas. É o máximo que posso deixar alguém sem acompanhamento lá embaixo. Regras." Ele disse 'regras' com um tom que deixava claro que as considerava uma grande inconveniência. "Tem uma mesa no canto. Leve o que achar relevante para lá. Mas não pode sair daqui com nada, entendeu? Só anotações."
Antes que ela descesse a escada de metal estreita e enferrujada, ele acrescentou, com um brilho súbito de esperteza nos olhos: "E o desembargador... ele vai mandar alguém buscar as cópias depois, ou...?" A pergunta pairava no ar, carregada de suborno não dito.
Anita entendeu o jogo. Abriu a bolsinha com movimentos precisos, sem tirar as luvas. Tirou duas notas de valor considerável — parte do dinheiro que Madame Satã lhe dera — e as deslizou discretamente sobre a mesa do livro de registros.
"O desembargador agradece sua eficiência," ela disse, mantendo o tom altivo, mas com um fio de cumplicidade profissional. "Ele mandará seu assistente pessoal retirar as cópias autenticadas amanhã, em horário combinado. Naturalmente, haverá uma gratificação pela agilidade."
O funcionário fez as notas desaparecerem com a rapidez de um mágico. Seu rosto se abriu em um sorriso que revelou dentes amarelos. "Excelente. Excelente. Bom, então fique à vontade, Dona Anita. Duas horas. O relógio está correndo." Ele bateu no mostrador do seu próprio relógio de pulso.
Ao descer para a escuridão úmida do depósito 3-B, o coração de Ana batia forte, mas sua mente estava gelada. Ela havia passado pela primeira barreira. O suborno funcionara. Agora, estava sozinha com a história — a história podre da família Sabará. O verdadeiro trabalho começava agora. Ela acendeu a pequena lanterna que trouxera na bolsa (outro item providenciado por Alice) e o feixe de luz cortou a poeira, iluminando pilhas e mais pilhas de caixas, livros-caixa encadernados em couro rachado, e maços de documentos amarrados com barbante. Era uma mina de ouro para quem sabia o que procurava. E Anita — Ana — sabia.
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