O sol da manhã batia forte na fachada do Arquivo Nacional, lavando a pedra clara e projetando sombras nítidas. Carlos sentia o peso estranho do terno de lã no calor que já se anunciava, e o peso ainda maior do ofício forjado, dobrado dentro do bolso interno do paletó. O dinheiro, dividido em dois envelopes (um para o suborno, outro para as eventuais "taxas" de cópia), fazia um volume discreto.
A sala de atendimento estava igual: empoeirada, com o mesmo cheiro impregnado de papel velho e fumaça rançosa. O funcionário estava atrás do balcão, mas desta vez não fumava com tédio. Estava inclinado sobre um pequeno rádio a pilha, de onde saía, em estática dourada, a interpretação sublime de "Sabiá" por Cynara e Cybele. Com movimentos metódicos, ele passava uma escova de cerdas gastas em um par de sapatos de couro opaco e surrado, sincronizando os movimentos com o balanço suave da música. Era um ritual de fuga, um momento privado de beleza em meio à rotina cinzenta.
Carlos pigarreou, um som seco que cortou o ar melódico.
O funcionário ergueu os olhos com relutância, como quem é puxado de um sonho agradável. Seu olhar percorreu Carlos de cima a baixo, detendo-se no terno cinza, no corte de cabelo, na postura ereta. A expressão de aborrecimento deu lugar a uma avaliação cautelosa. Aqui não estava a mulher misteriosa do dia anterior, mas alguém que se encaixava melhor no mundo que ele entendia: um jovem profissional, talvez um pouco tenso.
"Bom dia," disse Carlos, mantendo a voz firme, no tom educado mas ligeiramente pressionado de quem tem uma agenda apertada. "Carlos Oliveira, estagiário do Gabinete do Desembargador Cantareira. Vim buscar a documentação referente à família Sabará, que deveria ter sido preparada para a Dona Anita, secretária do senhor desembargador."
Ele tirou o ofício do bolso interno com um movimento fluido, herdado de horas observando advogados no fórum. A carta, em papel de timbre perfeitamente falsificado por Paulo, com o carimbo imponente e a assinatura elaborada, foi deslizada sobre o balcão, por cima dos trapos de engraxate.
O funcionário largou a escova, limpou os dedos em um pano sujo e pegou a carta. Seus olhos percorreram o texto, demorando-se no carimbo e na rubrica. A música "Sabiá" chegava ao seu clímax triste e belo no rádio, um contraponto irônico à transação sórdida que se iniciava.
"Hmm," o homem resmungou, sem levantar os olhos do papel. "Cantareira... não me soa familiar na lista de desembargadores ativos."
Carlos não vacilou. Haviam previsto isso. "O senhor desembargador está em fase de aposentadoria, mas ainda conduz pesquisas históricas pessoais. É um trabalho discreto. A Dona Anita informou que o senhor foi de extrema ajuda, e o desembargador pediu para expressar sua gratidão pessoalmente." Era nesse momento que a segunda linguagem da burocracia entrava em ação. Carlos abriu discretamente o primeiro envelope, deixando aparecer a borda das cédulas, sem tirá-lo totalmente do bolso. "Ele entende que serviços de urgência e discrição, fora do fluxo padrão, merecem uma... compensação pela agilidade."
Os olhos do funcionário pousaram no envelope, depois subiram para o rosto de Carlos. A avaliação nos seus olhos mudou. A dúvida foi sobrepujada pelo brilho familiar da ganância e pelo alívio de ver a farsa ganhar um contorno mais sólido — e lucrativo. O jovem falava a língua certa. O suborno estava sendo oferecido não como um favor sujo, mas como um honorário por um serviço especializado. Era muito mais palatável.
Ele deixou a carta sobre o balcão e, com um suspio que era mais de teatro do que de verdadeira relutância, pegou um maço de chaves. "O trabalho foi feito. As cópias autenticadas estão prontas. É um volume considerável. Espero que atenda às... pesquisas históricas do senhor desembargador." O sarcasmo na última frase era leve, quase profissional.
"Tenho certeza que sim," respondeu Carlos, neutro.
O funcionário sumiu por uma porta e voltou carregando uma pasta catelã volumosa, amarrada com um cadarço. Colocou-a sobre o balcão, ao lado da carta. Olhou para Carlos, depois para o envelope que ainda não havia mudado de mãos.
Carlos finalmente tirou o envelope e o colocou suavemente sobre a pasta. "Pela sua eficiência," disse.
O funcionário fez o dinheiro desaparecer com a mesma habilidade silenciosa do dia anterior. "É um prazer servir à Justiça," disse, a frase soando oca e ritualística. Ele empurrou a pasta em direção a Carlos. "Está tudo aí. O registro do pedido foi arquivado e... encerrado."
Era a senha. O assunto estava morto e enterrado nos livros dele. Carlos pegou a pasta. Era pesada. Carregava o peso de um século de crimes.
"O desembargador agradece," disse Carlos, com um aceno de cabeça.
Ao sair, a música no rádio havia mudado para algo mais animado, mas Carlos já não ouvia. Seu coração batia forte, mas suas mãos estavam firmes. A primeira parte do plano tinha funcionado. O esqueleto dos Sabará agora estava em suas mãos, devidamente copiado e autenticado por um carimbo falso e um suborno real. O próximo passo seria decidir como usar aquelas ossadas para fazer o coronel desmoronar.
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