Eles jantaram com gosto, a pimenta perfumada aquecendo línguas e corações. Estavam sentados em silêncio relaxado, estômagos satisfeitos e a paz que vem com as necessidades básicas atendidas.
Madame Satã quebrou a calmaria com palmas dizendo: "Acabou, acabou! Hora de acender o estopim!"
A palavra de ordem fez com que todos se movimentassem. Alice jogou um xale grosso nas costas e foi para o caminhão, acompanhada de Nelsinho. Era hora de voltar à casa torta de Zé Lopes.
O silêncio na cabine do caminhão, agora com apenas Alice e Nelsinho, era de uma concentração absoluta. O motor roncava baixo, os faróis baixos cortando uma faixa estreita de estrada de terra e escuridão. A noite mineira era profunda, um manto de veludo negro salpicado por uma infinidade de estrelas frias e indiferentes.
Nelsinho não falava. Sua atenção estava dividida entre a pista irregular e os cantos escuros da paisagem, seus instintos de homem da estrada alertas para qualquer movimento incomum. Alice, envolta no xale grosso, tinha os sentidos voltados para fora, tentando captar qualquer som além do ronco do motor – um cachorro latindo ao longe, o vento sibilando nas árvores, o coro distante de insetos.
Eles pararam a uma distância segura do povoado. Nelsinho desligou os faróis e o motor. O silêncio que caiu foi súbito e opressivo.
"Até onde você vem comigo?" perguntou Alice, sua voz um sussurro no escuro.
"Até a curva antes da primeira casa. Dali você vai a pé. Eu fico. Se ouvir barulho que não seja de grilo, dou duas buzinadas curtas. Você some no mato e volta pra cá. Se não voltar em uma hora, eu vou embora e aviso os outros."
Era um plano cru, baseado na confiança e na lógica da sobrevivência. Alice assentiu, embora ele não pudesse ver. Desceram do caminhão e seguiram pela margem da estrada, as botas de Nelsinho fazendo um som abafado na terra, os pés de Alice quase silenciosos.
Na curva, ele parou. Um vulto maior que as sombras ao redor. Alice tocou levemente seu braço em agradecimento e seguiu adiante, fundindo-se com a escuridão.
A caminhada até a casa de Zé Lopes foi uma prova de nervos. Cada som a fazia congelar. Cada luz distante de uma janela parecia um olho vigiando. Ela evitou a rua principal, contornando o povoado por trás das cercas, sentindo o cheiro do capim e do esterco.
Finalmente, avistou o telhado torto contra o céu estrelado. A casa estava escura, como todas as outras. Mas então, viu: a pequena janela do sótão, virada para os campos, não para a rua, estava entreaberta. Um retângulo de escuridão ligeiramente menos denso.
Ela se escondeu atrás de uma árvore grossa, a cerca de cinquenta metros da casa. A brisa noturna era fria. O tempo passou, marcado apenas pelo bater de seu próprio coração. Cinco minutos. Dez.
E então, veio.
Não era um som alto. Era um sussurro metálico e rítmico, cortando a quietude noturna com uma precisão fantasmagórica.
Tic-tac-tac... tic... tic-tac...
Código Morse.
Vinha da janela aberta do sótão. Fraco, mas claro. O som de um manipulador telegráfico sendo acionado com urgência contida. Zé Lopes estava transmitindo.
Alice não sabia Morse. Mas o simples som era a confirmação. O fantasma do rio estava ganhando voz. O Arquivo das Sombras estava sendo vomitado para o éter, em pulsos elétricos que viajariam para estações-relé na Europa, na América do Norte, se transformariam em palavras em máquinas de escrever em redações de jornal, em relatórios de agências de inteligência.
Um sorriso feroz e aliviado esticou seus lábios no escuro. A primeira parte funcionara.
Ela ficou ali por mais alguns minutos, ouvindo aquele som hipnótico e potente. Até que, de repente, ele parou. Um silêncio abrupto. Sua mão agarrou o xale. O que acontecera? Ele terminou? Foi interrompido?
Passaram-se trinta segundos de angústia. Então, a transmissão recomeçou, mas mais lenta, mais espaçada. Talvez ele estivesse mudando de frequência, cifrando uma nova parte.
Era o suficiente. A missão dela ali estava cumprida. Alice começou a recuar, mantendo os olhos fixos na janela escura, até que a casa desapareceu atrás das outras.
Quando chegou na curva, quase colidiu com a massa silenciosa de Nelsinho. Ele ergueu uma mão, um gesto de pergunta.
"Está tocando," ela sussurrou. "O rádio está falando."
Nelsinho não disse nada. Apenas virou-se e começou a caminhar de volta para o caminhão, seu passo um pouco mais rápido. Alice o seguiu. Eles não precisavam de palavras. O estopim estava aceso. Agora, eles precisavam sumir dali antes que a faísca alcançasse o barril de pólvora.
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