"Eu tenho um amigo, ele é pescador." Falou Dirceu, ainda sem entender muito bem.
"Mas o que está acontecendo, Paulo? Eles estão procurando por... por vocês?"
Sem explicar toda a trama, Paulo contou sobre os jornais impressos na faculdade e deu como o motivo de estarem sendo procurados.
A versão simplificada de Paulo — a dos "jornais impressos", da perseguição por ideias — foi o suficiente para acionar o código de honra simples e sólido de Dirceu. Em sua mente, amigos de Paulo, estudantes sendo caçados por falar a verdade, eram uma causa justa. O medo nos olhos deles era real, e a lealdade à memória do avô Altino e à amizade de infância falou mais alto.
"Virgem Sagrada, Paulo!" ele exclamou, mais com preocupação do que com reprovação, fazendo um sinal da cruz. "Tá uma coisa feia essa perseguição. Mas fiquem tranquilos. O Reinaldo é de confiança. A gente cresceu juntos, pescando os mesmos peixes. Ele não vai fazer perguntas demais."
Dirceu prometeu ir até a casa do pescador, à beira do cais mais afastado, assim que o amigo voltasse com o barco, no fim da tarde. Combinou um sinal: se fosse seguro, ele voltaria antes do anoitecer com um saco de sal grosso, como se fosse buscar suprimentos. Se houvesse problema, não viria.
A espera na casa fechada, após Dirceu partir, foi uma tortura de um novo tipo. Antes, era o medo abstrato da descoberta. Agora, era a angústia concreta de saber que outros haviam sido levados, e que sua fuga dependia da discrição e da coragem de dois homens simples que nada sabiam sobre arquivos secretos, bruxas ou coronéis, mas que entendiam o valor da solidariedade em tempos sombrios.
O grupo não ousou reacender o fogão ou o gerador. Comeram o que Dirceu trouxera — peixe cozido com bananas da terra e farinha — frio, no escuro crescente da sala. Cada som externo — um cachorro latindo, um barco a motor distante — os fazia saltar.
Finalmente, quando as sombras alongadas no assoalho já se fundiam em escuridão total, ouviram passos na estrada de terra. Leves, rápidos. Não eram as botas pesadas dos soldados. A porta dos fundos rangeu suavemente e Dirceu entrou, carregando não um, mas dois sacos.
"É hoje," ele sussurrou, antes que pudessem perguntar. "O Reinaldo disse que não pode esperar amanhã. Os militares já foram no cais principal fazer perguntas. Ele acha que vão vistoriar os barcos de noite. Ele tá pronto pra zarpar agora. A maré tá favorável pra sair sem motor, remando."
O alívio foi agudo, mas a pressão aumentou dez vezes. Era agora ou nunca.
"Como fazemos?" perguntou Lucas, já recolhendo a preciosa mala com os documentos.
"Pelo quintal. Tem um caminho atrás das pitangueiras que desce direto para uma pequena praia de pedras, onde o Reinaldo guarda o barco dele. É escondido. Vocês vão na minha frente, em fila, sem fazer barulho. Se acharem que alguém tá vendo, se joguem no mato e não se mexam."
A fuga final de Paraty começou na mais absoluta escuridão, guiada apenas pela silhueta confiante de Dirceu contra o céu ligeiramente menos negro. Passaram por entre os pés de pitanga, o doce aroma das frutas esmagadas sob seus pés sendo o único luxo da despedida. A descida foi íngreme, escorregadia, com galhos arranhando braços e pernas.
E então, ouviram o som baixo e reconfortante do mar batendo suavemente em pedras. E viram, ancorado em águas rasas, o barco de Reinaldo: uma simples canoa de madeira com vela recolhida, mas ampla o suficiente para todos. Um homem baixo e atarracado estava dentro, segurando um remo.
Sem uma palavra, Dirceu ajudou um a um a embarcar, um forte aperto de mão para cada um, um último para Paulo. "Cuida deles, e se cuida, rapaz," ele murmurou.
Reinaldo apenas assentiu, seus olhos escuros refletindo a fraca luz das estrelas. Quando o último corpo estava a bordo, ele empurrou o barco com seu remo, afastando-o silenciosamente das pedras. Apenas quando estavam a uma distância segura, ele içou a vela pequena, que capturou uma brisa noturna quase imperceptível.
Paraty, com seus lampiões tremulantes e seus becos agora perigosos, começou a diminuir atrás deles, uma silhueta escura contra a montanha. O barco deslizou pelas águas escuras da baía, rumo ao mar aberto e à incerteza total. Dirceu e a casa do avô Altino ficavam para trás, dois pontos de luz em uma rede de proteção que se estendia, eles agora sabiam, desde os tempos de Bárbara dos Prazeres.
Eles escaparam do labirinto de pedra. Mas o oceano à frente era um deserto sem mapa. Para onde iriam? O Arquivo das Sombras estava salvo, mas seus guardiões estavam novamente à deriva, com apenas a coragem de um pescador e as estrelas como guia.
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