A noite em Paraty não era uma escuridão urbana comum. Era uma regressão no tempo. Conforme o sol desaparecia atrás do morro do Forte, a escuridão não era banida por holofotes ou postes de mercúrio, mas contestada, ponto a ponto, por pequenas chamas.
Primeiro, as lanternas de querosene nas varandas das casas. Depois, os lampiões de ferro forjado presos nas esquinas das ruas de pedra, acesos por um lampista municipal com sua vara comprida. Sua luz era trêmula, âmbar, projetando sombras longas e dançantes que faziam as fachadas coloniais parecerem respirar. O centro transformava-se em um gigantesco tabuleiro de xadrez iluminado por velas, onde os becos mais estreitos eram faixas de escuridão pura, e as praças, poças de luz dourada e instável.
O burburinho do dia dava lugar a uma sinfonia mais íntima: o estalar das lenhas nas lareiras das pousadas, o riso abafado atrás de janelas de guilhotina, o arrastar de cadeiras nas calçadas dos bares, o tinir de copos. O cheiro de peixe grelhado e moqueca se misturava à fumaça do querosene e ao perfume noturno das flores.
Na casa do morro, a escuridão também foi vencida, mas de forma diferente. Paulo, conhecendo os segredos da casa, encontrou um velho gerador a diesel em um anexo nos fundos. Com alguns puxões na corda e um rugido que pareceu um animal pré-histórico despertando, a máquina antiga ganhou vida. Um zumbido baixo encheu o ar, e, um a um, lâmpadas incandescentes com bulbo de vidro acenderam-se no teto da sala principal e da cozinha.
Era uma luz estranha naquele contexto. Amarela, estática, elétrica. Delineava os móveis com contornos nítidos, revelando a poeira nos lençóis que os cobriam. Não tinha a magia convidativa dos lampiões, mas tinha uma utilidade brutal. Para o grupo, era a diferença entre a cegueira e a capacidade de planejar, de ler, de vigiar.
E então, a peça mais crucial: o rádio. Um aparelho grande de madeira, um Philco antigo, com um mostrador iluminado por uma luz verde suave. Paulo girou o botão. Após um instante de estática, uma voz surgiu, distante mas clara, vinda do Rio de Janeiro. Era a Rádio Globo, o principal canal da ditadura, transmitindo notícias censuradas, músicas de protesto suavizadas, a voz controlada do regime.
Aquela caixa de madeira e válvulas era agora sua janela para o mundo que haviam sacudido. Era através dela que esperavam ouvir os primeiros sinais do terremoto. Seria uma nota de rodapé em um boletim internacional? Uma negativa furiosa do governo? O silêncio total, mais assustador que qualquer notícia?
Laura ligou o fogão a lenha da cozinha, usando as habilidades aprendidas com Dona Tonha para preparar um jantar simples com os mantimentos que trouxeram. O calor do fogo e o zumbido do gerador criaram uma bolha de modernidade precária no coração da Paraty colonial.
Enquanto comiam, os olhos de todos voltavam-se, vez após vez, para o mostrador verde do rádio. A luz elétrica os mantinha acordados, alertas. As sombras dos lampiões lá embaixo dançavam uma valsa inocente. Mas dentro daquela casa no morro, iluminada por uma exceção tecnológica, sete fugitivos esperavam pelo eco da bomba que haviam detonado nas ondas curtas do rádio de Zé Lopes. A noite em Paraty era bela e antiga. Mas dentro daquela casa, o futuro — incerto e perigoso — estava prestes a chegar, sintonizado em AM.
O cansaço era uma âncora que os arrastava para baixo, vencendo até a ansiedade. Adormeceram onde estavam: Ana e Laura encostadas no sofá coberto de lençol, Lucas com a cabeça sobre a mesa, Carlos ainda na cadeira próxima ao rádio. Madame Satã e Alice mantinham uma vigília mais teimosa, mas mesmo elas sucumbiram, a cabeça de Alice descansando no ombro sólido da amiga.
O mundo se reduziu ao zumbido do gerador e à respiração cansada. O mostrador verde do Philco era a única luz constante, uma fogueira eletrônica em sua caverna improvisada.
Foi então, no coração gélito da madrugada, que o som mudou.
A voz monocórdica do locutor da Rádio Globo, que lia comunicados sobre a colheita de café, cortou-se abruptamente. Não foi um estalo, mas um zunido longo e agudo, como o rasgo de um tecido no ar. A luz do mostrador pareceu piscar com a falha de energia.
Carlos despertou com um sobressalto, o coração já acelerado antes mesmo da mente entender. Instintivamente, sua mão foi ao botão de sintonia do rádio. A estática era grossa, granulada. E por trás dela, uma voz. Masculina, tensa, abafada, como se falasse dentro de um barril, competindo com o chiado.
"...repito, fontes internacionais confirmam... documentos históricos... escândalo... família ligada ao alto comando..."
A voz sumia, engolida pelo ruído branco. Carlos girou o botão com dedos trêmulos, o ouvido colado ao alto-falante de tecido.
"...Hospital Colônia de Barbacena... evidências de tortura... infanticídio..."
Cada palavra era um estalo de raio na escuridão da sala. Os outros começavam a se agitar, despertados pela tensão que emanava de Carlos.
Ele conseguiu sintonizar um pouco melhor, mas só pegou o final:
"...a identidade do coronel envolvido não foi oficialmente confirmada, mas os documentos citam o nome Sabará com frequência. A transmissão originária é atribuída a... (um chiado mais alto corta a palavra)... em Minas Gerais. Voltaremos ao ar com mais informações assim que..."
A voz desapareceu, substituída por um silvo ininterrupto. E então, com um click seco, a Rádio Globo voltou ao ar, agora transmitindo uma valsa suave, como se nada tivesse acontecido.
Carlos tirou a mão do rádio como se ele estivesse quente. O silêncio na sala era pesado, carregado pelo eco das palavras que haviam escutado.
"Eles... eles pegaram a transmissão," sussurrou Lucas, o rosto pálido à luz verde. "Alguma agência internacional. Retransmitiram em ondas curtas. E a Globo... a Globo foi invadida. Alguém cortou o sinal deles para colocar essa notícia no ar."
Foi uma jogada ousadíssima. Um ataque direto ao principal megafone do regime. Mesmo que por apenas um minuto.
"E mencionaram Barbacena," disse Ana, sua voz contida. "Isso significa que podem rastrear a origem até Zé Lopes. E se mencionaram a cidade..."
Madame Satã se levantou, sua silhueta imponente contra a janela escura. "Significa que o coronel Sabará já sabe. E sabe que a origem do vazamento está lá. Ele vai mandar tudo o que tem para Barbacena. E vai começar a procurar por nós com uma raiva que nem o diabo conhece."
A notícia era, ao mesmo tempo, uma vitória estrondosa e um sinal de perigo máximo. A bomba tinha detonado. O segredo estava no mundo. Mas o clarão da explosão os iluminaria perfeitamente para o inimigo.
O primeiro round da guerra de informações havia sido deles. Mas o próximo round seria de carne, osso e chumbo. E Paraty, com seus becos escuros e suas marés, não os esconderia para sempre. A caça, agora, seria com unhas e dentes.
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