A busca de Paulo pelas bancadas rendeu frutos. Em uma estante baixa, ele encontrou uma garrafa de vidro âmbar, grossa, com uma caveira e ossos cruzados desbotados no rótulo. "Ácido Clorídrico Concentrado", lia-se em letras quase apagadas. "Para uso exclusivo do professor."
"É isso," sussurrou Claudia, os olhos brilhando com um misto de horror e fascínio, feliz por ter se lembrado das tediosas aulas de química. "Vai comer o ferro como se fosse açúcar."
Com as mãos tremendo, mas movidos pela urgência desesperada, eles montaram um aparato precário usando material do laboratório. Ricardo, com luvas de couro encontradas em uma gaveta, segurou um funil de vidro longo. Claudia, com precisão cirúrgica, despejou o líquido claro e fumegante da garrafa âmbar no funil, que Paulo direcionou para o buraco da fechadura enferrujada.
O efeito foi imediato e violento.
Um ssssssssssssss agressivo e um cheiro pungente e metálico de cloro encheram o ar. Da fechadura, uma fumaça esverdeada e nociva começou a subir, enquanto o ferro oxidado borbulhava e se desfazia em uma lama marrom e efervescente. Em questão de segundos, o mecanismo interno que mantinha a porta trancada por décadas foi desintegrado, consumido pela fúria química do ácido.
Com um chute firme de Ricardo no local da fechadura, a madeira podre ao redor cedeu com um estalo seco. A porta, finalmente livre, abriu-se para dentro com um rangido prolongado, revelando não um armário, mas uma abertura escura e ainda mais estreita que a anterior, de onde saía uma corrente de ar gelado e o mesmo cheiro de terra úmida e decadência que haviam encontrado na primeira passagem.
O miado do gato no corredor soou mais alto, mais insistente, quase às portas do laboratório. Eles não tinham tempo a perder.
Sem hesitar, os três se espremeram pela abertura, entrando na escuridão fria. A porta de madeira soltou-se e fechou-se atrás deles, deixando-os às cegas, com apenas o som de sua própria respiração e a sensação esmagadora de que estavam descendo ainda mais fundo no ventre do pesadelo. A busca por Sônia os levava agora para as entranhas mais profundas e esquecidas do Colégio Pedro II.
A sensação ao atravessar o novo corredor foi semelhante à primeira vez: uma mudança súbita na pressão do ar, um silêncio que doía nos ouvidos após os ruídos modernos, e aquele frio úmido que parecia entranhar nos ossos. Mas a energia era diferente. Menos ritualística e oculta, mais crua, institucional e brutal.
Eles emergiram não em um salão suntuoso, mas em um porão bruto, de paredes de concreto nu e pedra irregular. O ar cheirava a mofo, suor, vômito seco e um leve traço metálico de sangue. A iluminação era fraca, vinda de uma lâmpada de filamento pendurada por um fio no centro do cômodo.
Os olhos se ajustaram à penumbra, e o que viram os encheu de um novo tipo de horror. Num canto, estava o pau-de-arara, uma estrutura sinistra de madeira e ferro. Cadeiras de madeira pesada estavam desalinhadas, e no chão, manchas escuras e irregulares contavam histórias mudas de agonia. As paredes não tinham mais a suástica, mas cartazes de propaganda do regime: "Brasil: Ame-o ou Deixe-o" e "Deus, Pátria e Família". Uma placa de cortiça estava repleta de fotos de jovens de cabelos longos, alguns com um "X" vermelho marcando seus rostos, recortes de jornal sobre "subversivos" e mapas da cidade com locais circulados em vermelho.
E então, viram ela.
Sentada em uma das cadeiras, com as mãos amarradas atrás das costas e os tornozelos presos às pernas da cadeira por cordas grossas, estava uma jovem. Seu rosto estava marcado por sujeira e cansaço, seus cabelos ondulados—os mesmos de Sônia—estavam embaraçados e opacos. Ela parecia desfalecida.
Não estava.
Com um gemido baixo, ela ergueu a cabeça com dificuldade. Seus olhos, inchados mas incrivelmente lúcidos, pousaram nos três amigos paralisados na entrada do portal. Um fio de esperança irrompeu em seu olhar devastado.
"Por favor," ela suplicou, a voz rouca e fraca, mas perfeitamente audível no silêncio do porão. "Me ajudem."
Era Sônia. A verdadeira Sônia. A Sônia que eles conheciam, não a sacerdotisa vazia do ritual dos anos 30.
O apelo dela, no entanto, foi sua ruína. Do lado oposto do porão, uma porta de metal se abriu bruscamente. Dois homens vestidos com uniformes militares da época entraram. O mais novo tinha um rosto comum, mas os olhos do outro, um homem mais velho de cabelos grisalhos e óculos de aros grossos, eram profundos e calculistas. Ele usava uma bata sobre o uniforme, manchada e suja.
"Silêncio, sujeira," disse o mais jovem, dando um tapa leve na cabeça de Sônia.
O homem de óculos, no entanto, observava a cena com uma calma aterradora. Ele ignorou o colega e se aproximou de Sônia.
"O Doutor quer saber se você mudou de ideia, menina," disse o soldado mais jovem. "Quem são seus cúmplices?"
Sônia balançou a cabeça, chorando silenciosamente.
Foi então que o Doutor falou, pela primeira vez. Sua voz era suave, quase paternal, o que a tornava infinitamente pior.
"Ela não vai falar, Almeida. Ela não sabe de nada." Ele se ajoelhou, ficando na altura de Sônia. "Ela é a isca. Sempre foi. Seu valor não está na informação que ela tem, mas no sangue que ela corre... e no sangue que sua presença vai atrair."
Ele se virou lentamente, e seus olhos, por trás das lentes grossas, pareciam perfurar as sombras onde Ricardo, Claudia e Paulo estavam escondidos. Era como se ele soubesse.
"O ritual dos anos 30 ficou incompleto. O vaso foi quebrado, a conexão, instável. Mas o Eco nunca esquece um sabor. E o sabor do sangue daqueles que o perturbam... é único." Ele fez uma pausa dramática. "Vocês três possuem a assinatura daquela noite. A energia da interrupção. E o sangue de vocês, combinado com o dela, será a chave para finalmente abrirmos a porta de vez."
Os jovens, em pânico, recuaram. Eles eram espectros, mas o Doutor parecia capaz de senti-los. Precisavam se esconder. Ricardo puxou Claudia e Paulo para trás, e os três se esgueiraram para uma abertura no lado oposto do portal—uma pequena cela com uma pesada porta de ferro aberta, escura e fria. Eles se encolheram nas sombras mais profundas, seu coração batendo em um ritmo frenético.
De sua posição, ouviam o Doutor falar, suas palavras claramente dirigidas às sombras.
"Vocês vieram buscar sua amiga. É comovente. Mas ela não é a presa. Ela é a armadilha. E vocês... vocês são a oferenda que faltava. Não fujam. O Eco adora uma boa caça."
A voz suave e ameaçadora do Doutor ainda ecoava na cela escura quando um ruído agudo e inesperado cortou o porão: o som de vidro se estilhaçando.
CRASH!
Todos se viraram de um só vez. Lá, na entrada do portal por onde os jovens tinham vindo, quatro gatos se contorciam em meio aos cacos de uma garrafa que estava em uma mesa. Um preto, um laranja, um tricolor e um tigrado. O gato laranja, claramente o culpado, miou de forma quase desafiante.
"Merda, os malditos gatos do porão!" gritou o soldado mais jovem, Almeida.
Os animais, assustados pelo barulho que eles mesmos causaram, entraram em pânico. Espalharam-se pelo porão como demônios, pulando sobre o pau-de-arara, derrubando cadeiras, raspando as garras nas paredes de concreto. Foi um caos instantâneo de miados, arranhões e móveis tombando.
"Peguem esses bichos!" ordenou o Doutor, sua calma quebrada pela primeira vez.
Enquanto os soldados tentavam, em vão, conter os felinos, o Doutor, com um rosto contraído de raiva, sacou um revólver da cintura. Ele não era um homem de ação física, e sua mira era trêmula. Ele mirou no gato preto que corria em zigue-zague, mas o tiro ecoou como um trovão no espaço confinado, seguido por um urro de dor agudo.
O soldado Almeida, que tentava encurralar o gato tricolor, levou a bala na perna e desabou no chão, gritando e se contorcendo.
Foi a deixa que os jovens precisavam.
"AGORA!", sussurrou Ricardo em um gritinho.
Os três saíram da cela como um só. Claudia, com os dedos ágeis, começou a desfazer os nós das cordas que prendiam Sônia, enquanto Ricardo e Paulo vigiavham a confusão. Os nós eram apertados, mas o pânico lhe deu uma força sobrenatural. Em segundos, Sônia estava livre, esfregando os pulsos marcados.
"Vamos!", puxou Ricardo.
Os quatro correram de volta para o corredor escuro, o portal de volta para o seu próprio tempo. O Doutor, vendo-os fugirem por entre o caos dos gatos, rugiu de fúria. Ignorando o soldado ferido, ele correu em direção ao portal, erguendo o revólver.
BANG! BANG! BANG!
Tiros dispararam, as balas sibilando perigosamente perto. Mas algo de estranho acontecia. Em vez de perfurar a carne ou ricochetear nas paredes de pedra, as balas pareciam perder a força ao se aproximar deles, caindo no chão com um tinir abafado, como se tivessem atravessado um denso lençol de água. O véu do tempo, instável e protetor, impedia que a violência do passado os alcançasse plenamente.
Eles se jogaram de volta na escuridão do corredor secreto, o ar mudando, o cheiro de mofo e concreto dando lugar ao de produtos de limpeza e velhos livros. A última coisa que ouviram, vindo do portal que se fechava atrás deles como um suspiro cansado, foi a voz distorcida e cheia de ódio do Doutor, um juramento lançado através das décadas:
"NÓS IREMOS VOLTAR!"
E então, silêncio. Eles estavam de volta ao laboratório de química, ofegantes, ilesos, mas com a alma marcada. Sônia, trêmula e confusa, mas viva e sã, olhou para os amigos, sem entender completamente o pesadelo do qual haviam a tirado. Mas eles sabiam. A Irmandade da Noção Verdadeira ainda estava lá, em algum lugar nas sombras do tempo, e a promessa de retorno ecoava em seus ouvidos, mais assustadora do que qualquer tiro.
Continua na Parte Final...
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