domingo, 16 de novembro de 2025

O Internato das Almas Sussurrantes (Parte Final)

O ano é 2019

O tempo, como o Rio de Janeiro, é uma entidade traiçoeira. Ele avança implacável sobre a orla de Copacabana, sobre os prédios que crescem e caem, mas em alguns lugares, ele simplesmente gruda. O Colégio Pedro II, no Centro, era um desses lugares. A fachada imperial continuava a mesma, um gigante de pedra observando o século XXI com a mesma paciência com que observara o XIX.


Os jovens assustados de 1985 eram agora adultos na casa dos cinquenta. Ricardo era um engenheiro bem-sucedido, casado, com duas filhas. Claudia, uma psicóloga renomada, especializada em trauma, solteira e focada na carreira. Paulo, um contador tranquilo, com uma vida familiar estável em um subúrbio do Rio.

E Sônia.

Sônia nunca conseguiu se livrar completamente daquela tarde. O tempo não curou todas as feridas; algumas ele apenas enterra vivas, e elas coçam por baixo da pele em noites de insônia. Ela nunca se casou. Nunca conseguiu manter um relacionamento. A intimidade despertava um eco de violação, um sussurro daquela sala onde seu próprio corpo havia sido usado como um fantoche. Ela fazia psicanálise desde os doze anos, tentando nomear os demônios que a assombravam: homens de terno em salas com azulejos, soldados sem rosto em porões úmidos, o cheiro de querosene e a visão de um cálice dourado. Seus terapeutas sempre atribuíram isso a pesadelos de uma mente imaginativa e sensível, exacerbados pela turbulência da adolescência nos anos 80.

Nenhum deles, é claro, acreditou quando ela mencionou, de passagem, viajar no tempo.

A vida, porém, tem um senso de ironia mórbido. Ou talvez seja o Eco, brincando com seus brinquedos favoritos.

Os filhos de Ricardo, gêmeas de dezessete anos, eram alunas aplicadas do Colégio Pedro II. A filha de Paulo, um pouco mais nova, também estudava lá. Era uma tradição familiar, um orgulho. Para os pais, era a continuação de um legado de excelência. Para Sônia, que não tinha filhos, era um pesadelo recorrente materializado. Toda vez que visitava a casa de Ricardo e via os uniformes do CPII pendurados, um frio percorria sua espinha.

Foi em um domingo à tarde, durante um churrasco na casa de Ricardo em Jacarepaguá, que o passado decidiu bater à porta. As gêmeas estavam no jardim, rindo de algo no celular. A filha de Paulo as observava, um pouco tímida.

"O colégio tá um máximo, pai," disse uma das gêmeas, entrando para pegar uma bebida. "A gente tá fazendo um trabalho de história sobre o internato. O arquivo do colégio é incrível."

Sônia, que mexia uma taça de vinho sem vontade, congelou.


"É mesmo?" disse Ricardo, forçando uma naturalidade. "Cuidado com as portas trancadas, hein?" A piada soou oca.

"Ah, pai, para," a filha riu. "Mas é que tem uma coisa mais estranha. A gente encontrou umas fotos antigas de uma turma de meninos, dos anos 30, e a Sara," ela apontou para a irmã, "ficou possessa porque jurou de pé junto que viu o vovô Júlio, seu avô, numa das fotos. Só que ele nem estudou no CPII!"

Ricardo e Sônia trocaram um olhar. O avô Júlio de Ricardo tinha morrido jovem, nos anos 50. Era impossível.

"Deve ser só um parecido, querida," disse Claudia, tentando acalmar as águas que só ela e os outros dois entendiam que estavam se agitando.

"Pode ser," a garota concordou, encolhendo os ombros. "Mas foi estranho. E a Mônica," agora apontando para a filha de Paulo, "achou um documento antigo com o nome completo dela. Mônica Silva Ribeiro. Tinha uma lista de nomes, e o dela estava lá, com uma pequena cruz ao lado."

O ar pareceu sair do pulmão de todos. Paulo, que estava na churrasqueira, baixou a espátula.

"Onde vocês acharam isso?" perguntou Sônia, sua voz um fio.

"Numas caixas no porão da biblioteca, Tia Sônia. A tia bibliotecária deixou a gente dar uma olhada. Tinha um monte de coisa da época da ditadura também. Até uma foto de uma mulher que parecia muito com você, Sônia, mas com uma túnica branca. Que loucura, né?"

O silêncio que se seguiu foi mais eloquente que qualquer grito. As crianças, percebendo a mudança no clima, voltaram para o jardim, confusas.

Os quatro amigos – Ricardo, Claudia, Paulo e Sônia – se entreolharam. O passado não estava morto. Não estava nem mesmo passado. A Irmandade da Noção Verdadeira não precisava "voltar" como o Doutor prometera. Eles nunca tinham ido embora. E agora, suas garras se estendiam, silenciosamente, para a próxima geração. Os filhos deles não estavam apenas estudando no mesmo colégio. Eles estavam no mesmo tabuleiro de xadrez, e o jogo, interrompido em 1985, estava prestes a ser retomado. O Eco, afinal, era paciente. E as famílias, ele sabia, eram sua herança mais preciosa. no mesmo tabuleiro de xadrez, e o jogo, interrompido em 1985, estava prestes a ser retomado. O Eco, afinal, era paciente. E as famílias, ele sabia, eram sua herança mais preciosa.

FIM.

O Internato das Almas Sussurrantes (Parte IV)

A busca de Paulo pelas bancadas rendeu frutos. Em uma estante baixa, ele encontrou uma garrafa de vidro âmbar, grossa, com uma caveira e ossos cruzados desbotados no rótulo. "Ácido Clorídrico Concentrado", lia-se em letras quase apagadas. "Para uso exclusivo do professor."

"É isso," sussurrou Claudia, os olhos brilhando com um misto de horror e fascínio, feliz por ter se lembrado das tediosas aulas de química. "Vai comer o ferro como se fosse açúcar."

Com as mãos tremendo, mas movidos pela urgência desesperada, eles montaram um aparato precário usando material do laboratório. Ricardo, com luvas de couro encontradas em uma gaveta, segurou um funil de vidro longo. Claudia, com precisão cirúrgica, despejou o líquido claro e fumegante da garrafa âmbar no funil, que Paulo direcionou para o buraco da fechadura enferrujada.

O efeito foi imediato e violento.

Um ssssssssssssss agressivo e um cheiro pungente e metálico de cloro encheram o ar. Da fechadura, uma fumaça esverdeada e nociva começou a subir, enquanto o ferro oxidado borbulhava e se desfazia em uma lama marrom e efervescente. Em questão de segundos, o mecanismo interno que mantinha a porta trancada por décadas foi desintegrado, consumido pela fúria química do ácido.

Com um chute firme de Ricardo no local da fechadura, a madeira podre ao redor cedeu com um estalo seco. A porta, finalmente livre, abriu-se para dentro com um rangido prolongado, revelando não um armário, mas uma abertura escura e ainda mais estreita que a anterior, de onde saía uma corrente de ar gelado e o mesmo cheiro de terra úmida e decadência que haviam encontrado na primeira passagem.

O miado do gato no corredor soou mais alto, mais insistente, quase às portas do laboratório. Eles não tinham tempo a perder.

Sem hesitar, os três se espremeram pela abertura, entrando na escuridão fria. A porta de madeira soltou-se e fechou-se atrás deles, deixando-os às cegas, com apenas o som de sua própria respiração e a sensação esmagadora de que estavam descendo ainda mais fundo no ventre do pesadelo. A busca por Sônia os levava agora para as entranhas mais profundas e esquecidas do Colégio Pedro II.

A sensação ao atravessar o novo corredor foi semelhante à primeira vez: uma mudança súbita na pressão do ar, um silêncio que doía nos ouvidos após os ruídos modernos, e aquele frio úmido que parecia entranhar nos ossos. Mas a energia era diferente. Menos ritualística e oculta, mais crua, institucional e brutal.

Eles emergiram não em um salão suntuoso, mas em um porão bruto, de paredes de concreto nu e pedra irregular. O ar cheirava a mofo, suor, vômito seco e um leve traço metálico de sangue. A iluminação era fraca, vinda de uma lâmpada de filamento pendurada por um fio no centro do cômodo.

Os olhos se ajustaram à penumbra, e o que viram os encheu de um novo tipo de horror. Num canto, estava o pau-de-arara, uma estrutura sinistra de madeira e ferro. Cadeiras de madeira pesada estavam desalinhadas, e no chão, manchas escuras e irregulares contavam histórias mudas de agonia. As paredes não tinham mais a suástica, mas cartazes de propaganda do regime: "Brasil: Ame-o ou Deixe-o" e "Deus, Pátria e Família". Uma placa de cortiça estava repleta de fotos de jovens de cabelos longos, alguns com um "X" vermelho marcando seus rostos, recortes de jornal sobre "subversivos" e mapas da cidade com locais circulados em vermelho.


E então, viram ela.

Sentada em uma das cadeiras, com as mãos amarradas atrás das costas e os tornozelos presos às pernas da cadeira por cordas grossas, estava uma jovem. Seu rosto estava marcado por sujeira e cansaço, seus cabelos ondulados—os mesmos de Sônia—estavam embaraçados e opacos. Ela parecia desfalecida.

Não estava.

Com um gemido baixo, ela ergueu a cabeça com dificuldade. Seus olhos, inchados mas incrivelmente lúcidos, pousaram nos três amigos paralisados na entrada do portal. Um fio de esperança irrompeu em seu olhar devastado.

"Por favor," ela suplicou, a voz rouca e fraca, mas perfeitamente audível no silêncio do porão. "Me ajudem."

Era Sônia. A verdadeira Sônia. A Sônia que eles conheciam, não a sacerdotisa vazia do ritual dos anos 30.

O apelo dela, no entanto, foi sua ruína. Do lado oposto do porão, uma porta de metal se abriu bruscamente. Dois homens vestidos com uniformes militares da época entraram. O mais novo tinha um rosto comum, mas os olhos do outro, um homem mais velho de cabelos grisalhos e óculos de aros grossos, eram profundos e calculistas. Ele usava uma bata sobre o uniforme, manchada e suja.

"Silêncio, sujeira," disse o mais jovem, dando um tapa leve na cabeça de Sônia.

O homem de óculos, no entanto, observava a cena com uma calma aterradora. Ele ignorou o colega e se aproximou de Sônia.

"O Doutor quer saber se você mudou de ideia, menina," disse o soldado mais jovem. "Quem são seus cúmplices?"

Sônia balançou a cabeça, chorando silenciosamente.

Foi então que o Doutor falou, pela primeira vez. Sua voz era suave, quase paternal, o que a tornava infinitamente pior.

"Ela não vai falar, Almeida. Ela não sabe de nada." Ele se ajoelhou, ficando na altura de Sônia. "Ela é a isca. Sempre foi. Seu valor não está na informação que ela tem, mas no sangue que ela corre... e no sangue que sua presença vai atrair."

Ele se virou lentamente, e seus olhos, por trás das lentes grossas, pareciam perfurar as sombras onde Ricardo, Claudia e Paulo estavam escondidos. Era como se ele soubesse.

"O ritual dos anos 30 ficou incompleto. O vaso foi quebrado, a conexão, instável. Mas o Eco nunca esquece um sabor. E o sabor do sangue daqueles que o perturbam... é único." Ele fez uma pausa dramática. "Vocês três possuem a assinatura daquela noite. A energia da interrupção. E o sangue de vocês, combinado com o dela, será a chave para finalmente abrirmos a porta de vez."

Os jovens, em pânico, recuaram. Eles eram espectros, mas o Doutor parecia capaz de senti-los. Precisavam se esconder. Ricardo puxou Claudia e Paulo para trás, e os três se esgueiraram para uma abertura no lado oposto do portal—uma pequena cela com uma pesada porta de ferro aberta, escura e fria. Eles se encolheram nas sombras mais profundas, seu coração batendo em um ritmo frenético.

De sua posição, ouviam o Doutor falar, suas palavras claramente dirigidas às sombras.

"Vocês vieram buscar sua amiga. É comovente. Mas ela não é a presa. Ela é a armadilha. E vocês... vocês são a oferenda que faltava. Não fujam. O Eco adora uma boa caça."

A voz suave e ameaçadora do Doutor ainda ecoava na cela escura quando um ruído agudo e inesperado cortou o porão: o som de vidro se estilhaçando.

CRASH!

Todos se viraram de um só vez. Lá, na entrada do portal por onde os jovens tinham vindo, quatro gatos se contorciam em meio aos cacos de uma garrafa que estava em uma mesa. Um preto, um laranja, um tricolor e um tigrado. O gato laranja, claramente o culpado, miou de forma quase desafiante.

"Merda, os malditos gatos do porão!" gritou o soldado mais jovem, Almeida.

Os animais, assustados pelo barulho que eles mesmos causaram, entraram em pânico. Espalharam-se pelo porão como demônios, pulando sobre o pau-de-arara, derrubando cadeiras, raspando as garras nas paredes de concreto. Foi um caos instantâneo de miados, arranhões e móveis tombando.

"Peguem esses bichos!" ordenou o Doutor, sua calma quebrada pela primeira vez.

Enquanto os soldados tentavam, em vão, conter os felinos, o Doutor, com um rosto contraído de raiva, sacou um revólver da cintura. Ele não era um homem de ação física, e sua mira era trêmula. Ele mirou no gato preto que corria em zigue-zague, mas o tiro ecoou como um trovão no espaço confinado, seguido por um urro de dor agudo.

O soldado Almeida, que tentava encurralar o gato tricolor, levou a bala na perna e desabou no chão, gritando e se contorcendo.

Foi a deixa que os jovens precisavam.

"AGORA!", sussurrou Ricardo em um gritinho.

Os três saíram da cela como um só. Claudia, com os dedos ágeis, começou a desfazer os nós das cordas que prendiam Sônia, enquanto Ricardo e Paulo vigiavham a confusão. Os nós eram apertados, mas o pânico lhe deu uma força sobrenatural. Em segundos, Sônia estava livre, esfregando os pulsos marcados.

"Vamos!", puxou Ricardo.

Os quatro correram de volta para o corredor escuro, o portal de volta para o seu próprio tempo. O Doutor, vendo-os fugirem por entre o caos dos gatos, rugiu de fúria. Ignorando o soldado ferido, ele correu em direção ao portal, erguendo o revólver.

BANG! BANG! BANG!

Tiros dispararam, as balas sibilando perigosamente perto. Mas algo de estranho acontecia. Em vez de perfurar a carne ou ricochetear nas paredes de pedra, as balas pareciam perder a força ao se aproximar deles, caindo no chão com um tinir abafado, como se tivessem atravessado um denso lençol de água. O véu do tempo, instável e protetor, impedia que a violência do passado os alcançasse plenamente.

Eles se jogaram de volta na escuridão do corredor secreto, o ar mudando, o cheiro de mofo e concreto dando lugar ao de produtos de limpeza e velhos livros. A última coisa que ouviram, vindo do portal que se fechava atrás deles como um suspiro cansado, foi a voz distorcida e cheia de ódio do Doutor, um juramento lançado através das décadas:

"NÓS IREMOS VOLTAR!"

E então, silêncio. Eles estavam de volta ao laboratório de química, ofegantes, ilesos, mas com a alma marcada. Sônia, trêmula e confusa, mas viva e sã, olhou para os amigos, sem entender completamente o pesadelo do qual haviam a tirado. Mas eles sabiam. A Irmandade da Noção Verdadeira ainda estava lá, em algum lugar nas sombras do tempo, e a promessa de retorno ecoava em seus ouvidos, mais assustadora do que qualquer tiro.

Continua na Parte Final...



O Internato das Almas Sussurrantes (Parte III)

 O som da voz de Sônia, mas destituída de qualquer calor ou amizade, cortou o ar como um golpe de adaga. Seus olhos, agora focados neles com uma intensidade alarmante, não continham traço da jovem que conheciam. Era a voz de uma sacerdotisa, fria e imperiosa, ordenando a captura de intrusos profanos.

"Lá estão eles! Vão pegá-los!"


O feitiço da surpresa quebrou-se. Os homens da Irmandade, que haviam ficado momentaneamente paralisados com a queda do armário, recuperaram a compostura com uma velocidade assustadora. Seus rostos, antes marcados por uma solenidade ritualística, se contraíram em máscaras de fúria pura. O homem com as insígnias, aparentemente o líder, apontou na direção deles com a própria adaga.

"Peguem os intrusos! Não podem profanar o Ritual da Eternidade!"

Ricardo, Claudia e Paulo não esperaram. O instinto de sobrevivência falou mais alto. Eles se viraram e dispararam de volta pela escadaria de madeira, subindo os degraus gastos dois a dois. Os sons de passos pesados ​​e de vozes furiosas os perseguiam de perto. A atmosfera, que já era pesada e fora do tempo, tornou-se eletrizante com o perigo iminente.

A luz das lanternas de bolso dançava loucamente pelas paredes de pedra, criando sombras fugidias que pareciam se contorcer e tentar agarrá-los. O cheiro de querosene e tabaco forte foi substituído pelo odor metálico do medo e pela frieza úmida que agora emanava do portal temporal atrás deles.

Ao alcançarem o topo da escada e entrarem no corredor secreto que levava à despensa, Paulo arriscou um olhar para trás. O que ele viu o fez engasgar.

A cena no salão abaixo estava se desintegrando, mas não da maneira que esperariam. As figuras dos homens e do menino começavam a se tornar translúcidas, como fantasmas de um filme desbotando. No entanto, a figura de Sônia, de túnica branca, permanecia nítida e sólida por um momento mais longo, seus olhos ainda fixos neles com uma frieza inumana. E atrás dela, das sombras mais profundas do salão, algo se mexia. Uma forma amorfa e escura, pulsante, da qual emanava aquele sussurro rasgante que haviam ouvido antes – O Eco. Ele não estava mais apenas no presente ou no passado; estava se alimentando da energia do ritual interrompido, transcendendo a barreira temporal.

A porta da despensa estava à frente. Ricardo a empurrou com força, e eles se jogaram na cozinha escura, tropeçando em baldes e rodos. A porta secreta se fechou atrás deles com um click silencioso, mas eles não pararam. Correram pelo refeitório, o cheiro fantasma de caldo de galinha agora parecendo o aroma de uma refeição funerária.

Eles haviam escapado da captura imediata no passado, mas a um custo terrível.

"Ela... ela nos entregou," ofegou Paulo, encostado na geladeira industrial, seu corpo tremendo incontrolavelmente.

"Não era ela," corrigiu Claudia, seu rosto pálido mas sua mente ainda acelerada. "Era o que eles fizeram com ela. Ela é o 'vaso', lembra? Eles controlam ela. E pior..." Ela fez uma pausa, ouvindo. O som de passos vindos do corredor principal era inconfundível. "Eles sabem que estamos aqui. No presente."

A perseguição não terminou no passado. A Irmandade, através do portal ou através de seus membros remanescentes como o Seu Otávio, estava agora ciente deles. Sônia estava perdida, não apenas fisicamente, mas possuída pela vontade da seita. E O Eco, uma entidade de fome atemporal, havia sido despertado.

Eles estavam encurralados no colégio, no escuro, com um inimigo que operava através do tempo e com sua amiga como uma inimiga involuntária. O plano de resgate havia se transformado em uma luta desesperada pela própria sobrevivência e, talvez, para impedir que uma sombra do passado consumisse o futuro.

O Internato das Almas Sussurrantes (Parte II)

 A volta ao colégio à noite foi uma experiência completamente diferente. A grandiosidade imperial do prédio, sob a luz do dia, dava lugar a uma intimidação gótica. A lua, quase nova, oferecia pouca luz, e suas lanternas de bolso cortavam feixes tensos na escuridão.
Caminharam pelo corredor de acesso ao jardim, seus passos ecoando no piso de ladrilhos hidráulicos polidos, com seus padrões geométricos desbotados. A superfície, levemente escorregadia, parecia querer derrubá-los a cada movimento. O cheiro do jantar ainda pairava no ar: um fantasma de caldo de galinha e leite com canela que, em vez de aconchegante, agora cheirava a algo morno e decadente.
A grade da porta que levava ao Jardim das Laranjeiras estava trancada, como esperado. Sem hesitar, seguiram para a cozinha industrial, um cômodo de azulejos brancos e enormes panelas de alumínio polido penduradas, que pareciam olhos na penumbra. Reviraram gavetas e armários, até que Ricardo, ao empurrar uma prateleira cheia de sacos de feijão e arroz, sentiu um click.
Não era um armário. Era uma porta, perfeitamente disfarçada entre os azulejos da parede da despensa. Ela se abriu para dentro, revelando não prateleiras, mas uma escuridão absoluta e um cheiro de terra molhada e madeira centenária.

"É aqui," sussurrou Claudia, seu ceticismo agora totalmente substituído por um temor reverencial. "A passagem do diário."
Sem outra opção, entraram. A porta fechou-se silenciosamente atrás deles, isolando-os por completo. A lanterna iluminou um corredor estreito, forrado de pedra, que dava em uma escadaria íngreme de madeira. Os degraus, de tábuas grossas de peroba ou algo mais pesado, estavam gastos no centro, não pelo tempo, mas por incontáveis passos fantasmas. Apesar da idade evidente, a estrutura era incrivelmente firme.
Mas à medida que desciam, algo começou a mudar. Não era apenas a temperatura, que caía drasticamente. Era a própria textura do ar. O cheiro de mofo e terra foi se transformando, tornando-se mais limpo, mas carregado com odores que não pertenciam à sua época: um leve traço de querosene, o aroma distinto de um tabaco forte e, por fim, o som.
Os ruídos da cidade moderna—o zumbido distante dos carros, o ronco de um ônibus—simplesmente se apagaram. Foram substituídos pelo silêncio pesado da noite, quebrado apenas pelo tinir frágil de um piano. A mesma melodia desafinada e antiga que lendas atribuíam à sala trancada. Só que agora, ela era nítida, real, e vinha de cima, não de baixo.
Paulo congelou, segurando a lanterna com mãos trêmulas. "O que está acontecendo?"
Ricardo olhou para as paredes de pedra. Elas pareciam mais novas, o rebrito mais fresco. "A escada... não está nos levando só para os porões," ele disse, uma realização horrível brotando em sua mente. "Está nos levando para quando."
Era um portal. Não no sentido de ficção científica, mas uma fenda no tempo, um eco materializado da memória do lugar, ativado pela lua nova e pelo sangue derramado—ou pela proximidade do ritual.
Quando seus pés finalmente tocaram o último degrau, eles não estavam em um porão úmido. Estavam em um corredor amplo e bem iluminado, com o mesmo piso de tábuas de madeira do andar superior, mas encerado e brilhante. As paredes eram de um azul claro, e cartazes educativos da época—alguns com slogans cívicos do Estado Novo—estavam pendurados com precisão.
E então, viram.

Através de uma grande porta de vidro fumê, havia uma sala suntuosa, que reconheceram como uma versão "nova" da antiga sala de música. Lá dentro, sob a luz suave de um candelabro de cristal, um grupo de homens vestidos em ternos escuros e bem cortados estava reunido em círculo. Eles não eram figuras sombrias e encapuzadas; eram homens de aspecto respeitável, alguns com barbas bem cuidadas, outros com as insígnias de cargos públicos. No centro do círculo, de joelhos e com as mãos atadas, estava um menino de não mais de doze anos. Ele usava o uniforme do internato, seu rosto pálido e sujo de lágrimas silenciosas. Seus olhos, wide com um terror primordial, fitavam o vazio.
Um dos homens, de costas para eles, erguia uma adaga antiga, sua lâmina refletindo a luz das chamas de velas que os jovens não podiam ver, mas cujo calor e cheiro de cera de abelha conseguiam sentir.
Era a Irmandade da Noção Verdadeira. Em plena atividade. Nos anos 30.
Eles não estavam apenas testemunhando um fantasma do passado. Estavam testemunhando o próprio mecanismo do horror, o momento em que Sônia, em algum lugar no presente, estava destinada a se tornar a próxima peça. O portal não era uma fuga; era uma lição. E a lição era que o mal não era uma mancha antiga na história do colégio. Era sua fundação secreta, e estava prestes a ser reativada.

O Internato das Almas Sussurrantes

Vamos brincar de escrever uma história de terror?
Bom, não fui exatamente eu que desenvolvi o texto, apenas desenvolvi um roteiro e fiz um breve trabalho de engenharia de prompt de inteligência artificial. Ela escreveu o que eu queria, porém de uma forma muito melhor que eu. As imagens também são gerada por IA.

Esse título, por exemplo, foi ela que escolheu, mas, assim como ao longo do texto, fiz algumas adaptações.

O Internato das Almas Sussurrantes

Rio de Janeiro, 1985.

O calor do verão carioca pesava sobre o Centro da cidade, mas dentro dos muros do Colégio Pedro II, na Rua Marechal Floriano, havia uma umidade fria e antiga que o sol parecia incapaz de dissipar. O prédio, um colosso imperial de pedra e estuque, carregava o peso da história em cada centímetro de sua estrutura. Os alunos, é claro, tinham suas lendas. Diziam que o internato para meninos, que funcionara ali desde os tempos do Império, não havia encerrado suas atividades apenas por decreto, mas por algo mais sinistro.
Naquele tarde abafada, quatro alunos – Ricardo, o líder; Claudia, a cética; Paulo, o medroso; e Sônia, a observadora – decidiram que a aula de Química Orgânica era um preço alto demais a se pagar. O plano era simples: sumir.
“É aqui,” sussurrou Ricardo, parando diante de uma porta de madeira maciça e escura, no final de um corredor de tábuas rangentes no terceiro andar. Um cadeado enferrujado, de um modelo que parecia saído de um museu, segurava as trancas. “A Sala do Piano Desafinado.”
Era o apelido que davam ao lugar, herdado de gerações de alunos. Dizia a lenda que, à noite, acordes fantasmagóricos ecoavam de lá. Com um clipe de papel habilidosamente torcido, Ricardo, após alguns minutos de tensão, ouviu o clique satisfatório. A porta cedeu com um gemido longo e doloroso, revelando uma escuridão densa e poeirenta.
Entraram e fecharam a porta. A sala era, na verdade, um antigo alojamento, como evidenciado pelos azulejos brancos e azuis que revestiam as paredes até o teto alto. A luz fraca que entrava por uma janela suja revelava móveis pesados de jacarandá cobertos por lençóis brancos, que pareciam fantasmas agachados. No centro, um piano de cauda, imponente e negro, dominava o espaço. Foi Sônia quem notou primeiro.
“Olhem o chão.”
Ao redor do piano, o pó havia sido perturbado. Não aleatoriamente, mas formando um padrão: um círculo com símbolos geométricos intricados, que se estendia para baixo do instrumento. Paulo, pálido, apontou para o piano. “Tem algo preso nas cordas.”
Ricardo, com um misto de temeridade e fascínio, levantou a tampa do piano. Um odor doce e nauseante explodiu no ar. Presas entre as cordas de aço, havia penas de galinha pretas, secas e quebradas, e pequenos ossos de animais, amarrados com fios de cabelo escuro. As teclas de marfim estavam manchadas com uma substância ressequida de cor marrom-avermelhada.
Foi quando Claudia, a cética, encontrou o diário. Estava escondido atrás de uma solta placa de azulejo, perto de uma escrivaninha de madeira de lei. A capa era de couro gasto, e as páginas, amareladas e quebradiças, continham anotações em português arcaico. A primeira entrada era de 1887.
“15 de Junho de 1887. O Reitor permitiu que a Irmandade da Noção Verdadeira utilizasse os porões para seus estudos. As crianças órfãs do internato são dóceis e não farão falta. O caminho pelos esgotos, acessado pela grade de ferro decorada no Jardim das Laranjeiras, é seguro.”
O sangue gelou nas veias do grupo. Eles folhearam páginas e páginas de relatos horríveis. Rituais para “purificar o sangue” e “apaziguar entidades antigas”, usando meninos do internato como oferendas. A seita, a tal Irmandade, acreditava em uma eugenia mística, uma busca por pureza que ecoava ideais sombrios. As anotações iam até 1944, terminando abruptamente.
“Os ventos mudaram. O fracasso do Grande Projeto na Europa chegou aos nossos ouvidos. Devemos nos dispersar, apagar nossos rastros. O trabalho da Irmandade, porém, é eterno. O Eco no escuro permanece faminto.”
Nazismo. A palavra pairou no ar, não dita, mas sentida como uma lâmina fria.
Foi então que ouviram os passos. Não no corredor de tábuas, mas vindos de dentro da parede. Um arrastar lento e metálico. De uma parte da sala, atrás de um enorme armário de jacarandá, uma seção de painéis de madeira deslizou silenciosamente, revelando uma abertura escura e baixa – um dos tais corredores secretos de acesso.
O medo, antes uma abstração, tornou-se físico. Eles se esconderam atrás dos móveis cobertos, enquanto uma figura emergia da escuridão. Não era um fantasma, mas um homem idoso, vestindo um uniforme surrado de zelador. Seu rosto era pálido e seus olhos, vazios. Ele carregava uma lanterna fraca e um saco de lixo que se mexia levemente.

Ele se ajoelhou diante do símbolo no chão, sussurrando palavras em uma língua que soava errada, com sons guturais e sibilantes. Então, ele abriu o saco. Dentro, vários gatos pretos se contorciam.
Os adolescentes congelaram, a respiração presa. Paulo, em pânico, recuou e esbarrou em um candelabro de prata em uma estante. O tilintar foi como um tiro na quietude da sala.
O zelador – ou o que quer que ele fosse – ergueu a cabeça lentamente. Seus olhos vazios não mostraram surpresa, mas um reconhecimento antigo e cansado. Um sorriso se desenhou em seus lábios, um gesto vazio de alegria, cheio de uma frieza inumana.
“Os escolares,” ele sussurrou, sua voz um raspado sussurro de pedra sobre pedra. “O Eco sempre sente fome. E as grades nos esgotos… elas precisam de uma nova oferenda.”
Ele deu um passo em sua direção, e a lanterna em suas mãos projetou uma sombra monstruosa e distorcida na parede de azulejos, uma sombra que parecia ter dentes e tentáculos. A sala do piano, outrora um refúgio travesso, havia se tornado uma armadilha. E as almas sussurrantes do antigo internato, aprisionadas nas pedras e nos azulejos, pareciam suspirar de antecipação. A Irmandade da Noção Verdadeira nunca havia partido. Apenas adormecera. E agora, estava acordando.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

5 anos depois...

 


Confesso que me surpreendeu a ainda existência dessa página. E vejam só, em pleno reinado das redes sociais, eis-me aqui "blogando" em modo raiz.

Passei alguns minutos revivendo minhas vidas passadas aqui e resolvi fazer esse post do post em referência ao efeito caleidoscópio em que dois espelhos frente a frente se refletem criando cópias infinitas de si.

Enfim, desde 2018 outras N coisas mudaram, a cada dia eu me percebo na minha melhor versão e ler essas velhas histórias faz de mim espelho refletindo a mim mesma em infinitas versões.

Eu nem pretendia usar essa referência dos espelhos, mas já que usei, bora lá de pensar sobre: 
Por toda a vida nós perseguimos um ideal, seja ele de estilo de vida, forma física, lugar e espaço que ocupamos e incontáveis vezes estamos tão preocupados em chegar lá que não damos uma pausa pra olhar em volta e ver onde estamos no presente.
E só o fato de não termos atingido aquele objetivo que está lá na frente, passados 10, 15, 20 anos acaba deixando um sentimento de frustração e menos valia, porque do outro lado do espelho tem uma porção de gente mostrando que já conseguiu, ou pior: esfregando na sua cara que se você não conseguiu foi porque não se esforçou bastante. Pois me faça um PIX de 1000 reais quem nunca se sentiu assim.

Encontrar esse blog hoje me obrigou a fazer o exercício de olhar pra Silvia do passado e invariavelmente comparar com a Silvia do presente e constatar que tanto, mas tanto foi feito que pouco resta da Silvia de 2004 na que adentra em breve 2024.

Cheguei naquele objetivo dos sonhos? Ainda não. A vida me levou por outros caminhos e eu já nem sei mais se quero aquele mesmo objetivo, as vontades mudaram, as metas ficaram mais realistas. Eu meio que parcelei o objetivo em suaves prestações pra caberem no meu cacife energético.

Enfim, recomendo a quem porventura vier a ler esse post que faça esse exercício simplório de revisitar o passado. Olhe fotografias, vídeos, diários e em seguida examine o presente. Eu tenho absoluta certeza que lições virão, sejam elas quais forem. 

Fico por aqui, quem sabe daqui a novos 5 anos eu volte, se tudo der certo, as guerras e a crise climática forem apaziguadas.

Xêro na alma! 

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

It's me again!

Depois de séculos eis que retorno a este blog para contar as novidades.
A faculdade acabou comigo, terminou o relacionamento, desfez os laços; isso mesmo, me jubilou. Anyway, to inscrita no Enem desse ano pra ver se termino a bagaça ou tento outra coisa. Vai depender muito da minha memória e do tempo que minha coluna aguentar ficar sentada.
A novidade é que como não consigo ficar com o rabo quieto, resolvi abrir um estúdio de tatuagem. Pera, vamos do começo: primeiro eu quis consertar uma tatuagem que está perdendo a definição, e vi que o negócio custa mais caro que uma máquina (boa) de tatuagem. A coisa aqui, virada no DIY resolveu comprar o material e reformar ela mesma a tattoo. Como resultado desse imbróglio, temos um estúdio recém inaugurado, 14 tatuagens novas e 1 por restaurar.
Pra quem quiser conhecer o trabalho que é do Fred e meu, olha lá o perfil do Instagram @geekstattoo ou a página do Facebook que também chama Geeks Tattoo.
O logo é esse aqui:
Só vim dizer isso mesmo. Beijos, tchau.

sábado, 28 de abril de 2018

Seis anos depois

Hoje, por acaso, devido a um furo no sistema de bloqueio e contas do Google no trabalho, revisitei esse blog. E desde o último post muitas águas já se passaram. Basicamente mudei de cidade, ganhei uns quilos, perdi outros muitos, aprendi a fazer amigurumis, feltragem em lã, tatuagem, cortar cabelos, chutei a faculdade, ganhei uma neta, óculos de grau...
É, muita vida vivida em 6 anos. Houveram anos de fartura, outros de dificuldade, muitas saudades, muita nostalgia... ver as crianças crescendo, revelando suas personalidades, realizando suas vontades...
Foram anos de muitos erros e acertos, acho que mais erros, talvez não, eu sempre me cobro muito, disse o meu terapeuta.
O fato é que seis anos depois mudou tanta coisa que nem sei por onde começar, então vou terminando por aqui.
Outro dia eu apareço, ou não.

sábado, 2 de junho de 2012


É pra você o meu coração. (2011)Acrílica e encáustica fosforescente sobre papel. 

sexta-feira, 4 de março de 2011

Faculdade de Artes Plásticas

É, depois de tantas acabei entrando na UFES.

O curso? Artes Plásticas.
Sim, sim... Nem eu levava fé. Mas ah, que se dane, era tudo o que eu sonhava desde aquele tempo em que eu desenhava espirais coloridas no papel. E demorou até demais pra eu conseguir construir as bases sólidas onde eu pudesse tornar real esse sonho.

To muito feliz, animada com o curso, ansiosa pela parte prática (quem nunca sonhou com uma escola onde estudar pra valer significava exercitar a sua criatividade?)

Daqui por diante, vou postar alguns trabalhos por aqui.
Té breve!

O Internato das Almas Sussurrantes (Parte Final)

O ano é 2019 O tempo, como o Rio de Janeiro, é uma entidade traiçoeira. Ele avança implacável sobre a orla de Copacabana, sobre os prédios q...